Segundo o último Censo do IBGE, realizado em 2022, 20,6 milhões de pessoas se declararam pretas.
Foi neste mesmo Censo que, pela primeira vez, se buscou mapear a população quilombola no Brasil: são mais de 1,3 milhão de brasileiros, 0,65% dos habitantes do país, que se autodeclararam integrantes dos povos e comunidades tradicionais reconhecidos pela Constituição de 1988. E é deste universo, de gerações de descendentes dos negros sequestrados em seus países na África, escravizados no Brasil por mais de três séculos, que vem a primeira promotora de Justiça quilombola do Brasil.
Aos 34 anos, a maranhense Karoline Bezerra Maia, foi empossada no Ministério Público do Pará, no município de Senador José Porfírio, sudeste paraense. Seus pais sem escolaridade saíram da Comunidade Quilombola do Jutaí, uma das 13 localizadas na cidade de Monção, no oeste do Maranhão, para residir na capital, São Luís. E foi lá que Karoline, a caçula de seis filhos, nasceu. Tios e primos ainda residem em Jutaí, onde estão entre 10 e 15 famílias quilombolas, mas onde a única escola para crianças está fechada, segundo a promotora.
A história da família de Karoline tem como cenário o lugar onde tradicionalmente faltam políticas públicas e oportunidades de estudo.
“É um processo que a gente chama de desterritorialização. O quilombo ele não fornece condições para a gente ficar. Em algumas vezes, em alguns quilombos, não fornecem nem para voltar. Em alguns pontos evoluíram, porque quando era criança não tinha energia, hoje já tem energia. Hoje já pega internet. Ruim, mas já pega. Já que a questão de políticas públicas, na maior parte dos quilombos sofre com isso, principalmente os quilombos mais afastados”.
Bolsista no ensino fundamental e médio, a trajetória da promotora é fruto de várias ações afirmativas e gratuitas de ensino. Ela é ex-aluna do Projeto Identidade – iniciativa da Associação Nacional dos Procuradores da República, que conta com apoio da Educafro, uma ONG que promove a inclusão da população negra nas universidades. Karoline entrou no primeiro ano de aplicabilidade da Lei de Cotas para ingresso de negros no ensino superior. A escolha de cursar Direito na Universidade Federal do Maranhão veio por causa da experiência familiar onde a Justiça precisou ser acionada várias vezes.
“A minha mãe precisou fazer uma cirurgia no coração e a gente não tinha plano [de saúde], então tive que ir para a Justiça, por meio da Defensoria Pública. Ela era da roça. Então teve toda aquela questão da aposentadoria especial. Inclusive, na época, quando minha mãe era viva, a gente também teve muita dificuldade da falta de remédio na farmácia estadual. E aí depois que ela faleceu, meu pai [teve dificuldade] para pegar a pensão por morte. E aí acaba que eu era quem entrava para resolver tudo”.
E foi estagiando nos ministérios públicos estadual e federal que ela acabou optando pelo trabalho como promotora, se especializando na defesa da pessoa com deficiência. Ela sonha que sua trajetória inspire outras mulheres pretas e quilombolas a buscarem seus objetivos.
“Eu sou o resultado da educação e vejo o quanto pode mudar o rumo. Não apenas ali da vida da pessoa, mas da família inteira. A gente percebe que a grande maioria dos cargos mais altos como juízes, defensores, promotores são ocupados por pessoas brancas. Ter essa diversidade de vivências, diversidades de histórias, ela é muito importante para a gente ter uma sociedade mais justa de decisões, posições mais justas, mais igualitárias”.
No dia 13 de novembro de 2023, o governo federal atualizou a Lei de Cotas, que incluiu quilombolas como beneficiários das ações afirmativas no ensino superior.
*Com colaboração de Tâmara Freire.
Fonte: Fonte: Agência Brasil